Tudo Junto e Misturado
Século XXI + Mitologia Greco-Romana = Percy Jackson
Veja alguns mitos e alusões à cultura helenística tal como se apresentam no romance estadunidense “O Ladrão de Raios” e como são esses mitos em suas origens na literatura clássica!
Várias são as alusões feitas aos mitos greco-romanos no decorrer do Romance de Rick Riordan. Algumas destas alusões são bem sutis e talvez passem despercebidas – como o fato dos personagens não se referirem aos deuses pelos seus nomes próprios – outras são mais explícitas como, por exemplo, as aparições de célebres figuras da mitologia greco-romana.
Antes que sejam elencados alguns personagens mitológicos, é oportuno abordar uma referência à cultura grega que é feita ao decorrer de toda a obra: a utilização de eufemismos para nomear os deuses e alguns monstros mitológicos. Aaah... Eufemismo é quando, por algum motivo, revolve-se chamar algo por algum outro nome. Quer um exemplo? Os personagens do Harry Potter estão usando um eufemismo ao falar “Você-Sabe-Quem” ou “Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado” ao invés de falar o verdadeiro nome do Voldemort, o Lorde das Trevas - que também é um eufemismo.
Os gregos antigos se utilizavam de eufemismos para se referir aos deuses e outros monstros porque havia a crença de que dizer o nome verdadeiro desses seres não era apenas dizer, mas sim invocar o próprio ser. Então, eles os chamavam por outros nomes. Se você leu (ou vier a ler) o livro (ou assistir o filme), note como sempre os personagens sempre dão outros nomes aos monstros e aos deuses!
O primeiro ser mitológico revelado no romance é uma das três Fúrias que está sob o disfarce de professora de iniciação à álgebra, a senhora Dodds. As Fúrias são, para os romanos, as Erínias, seu número não é determinando, porém habitualmente só são citados os nomes de três delas: Alecto, Megera e Tisífone. De acordo com Teogonia: a origem dos deuses, de Hesíodo, As Erínias ou Fúrias são frutos dos pingos de sangue que caem sobre a terra quando Urano, personificado como Céu, tem a genitália decepada por seu filho Cronos.
No romance, as Fúrias são chamadas de As Benevolentes, referência a um eufemismo que recebiam: Eumênides, que, em grego, significa benevolente ou bondosa. Percy é perseguido a todo o tempo pelas Benevolentes, que acreditam ser ele o responsável pelo sumiço do elmo de Hades, e sempre estão em seu encalço para puni-lo. A personalidade das Fúrias ou Erínias é definida de tal maneira pelo Dicionário da Mitologia Grega e Romana (1990):
As Erínias têm como função proteger a ordem estabelecida e vingar todos os delitos capazes de subverter, quer se trate do orgulho que faz o homem esquecer os seus limites e a sua condição de dependente quer se trate de crimes, cometidos pelos mortais ou mesmo pelos deuses, pois as Erínias, nascidas da mais antiga divindade do panteão helênico, têm autoridade sobre todos os deuses das gerações posteriores, incluindo Zeus. (HACQUARD, 1990, p. 61)
A mais famosa e a única mortal das três Górgonas também é transportada para a narrativa de Riordan: Medusa. Há uma referência a esses três monstros em uma passagem na peça Prometeu Acorrentado (2005, p.33), de Ésquilo, em que são mencionadas as “três irmãs feiosas, as Górgonas, aladas, com cobras no lugar de cabelo — odiavam o homem mortal”.
Na literatura clássica, Medusa é retratada por Ovídio, em uma versão do mito, como uma bela sacerdotisa da deusa Atena que, cedendo às investidas do deus Poseidon, envolveu-se sexualmente com o deus, dentro do templo da deusa. Como punição, Medusa teve seus cabelos transformados em serpentes, a face transfigurada e amaldiçoada a transformar em pedra quem a olhasse diretamente. No romance há uma referência ao encantamento de Medusa por Poseidon e antipatia por Atenas, tal fato se dá pelo tratamento que Medusa, que responde por Tia Eme, dá à Percy, cobrindo o jovem de elogios e carinhos, enquanto é nítida sua aversão por Annabeth,filha de Atena.
Assim, como no mito original, no romance, Medusa é decapitada. Na literatura clássica, o monstro é morto por Perseu, que entrega sua cabeça à Atena, que passa a utilizá-la em seu escudo. Percy decapita Medusa e envia sua cabeça para o Olimpo, em sinal de afronta; ao fim da narrativa, o jovem herói recupera a cabeça de Medusa, entrega a sua mãe que utiliza para transformar Gabriel, padrasto de Percy, em estátua de pedra.
Por fim, outra célebre criatura da mitologia grega também aparece para dificultar a vida de Percy Jackson: o Minotauro. O Minotauro aparece como enviado por Hades, deus dos mortos e do Mundo Inferior, para capturar Percy. Ovídio, o autor romano, o descreveu apenas como “parte homem e parte touro”, que nasceu da união contra-natura de Pasífae com um touro branco. Para esconder o fato, Minos, rei de Cnossos, manda Dédalo construir um labirinto para aprisionar Pasífae e a criatura a quem deu à luz.
Não se conhecendo o texto fundador do mito do labirinto e seus mitemas, é importante estabelecer o ponto de partida para o seu desenvolvimento e a recepção atual. Antes de mais nada é preciso ter em conta que existem diversas fontes para o labirinto minoico e a figura do ser híbrido que é o Minotauro. Os textos de Ovídio serviram de hipotexto do mito durante muitos séculos, mas ele próprio baseia-se em Apolodro, ainda que já houvesse referências em Homero, Eurípides, Isocrato e Platão. (BOAS-VILAS, 2003, p. 247)
Esses poucos exemplos demonstram os conhecimentos do autor sobre lendas e cultura greco-romana. No entanto, com tanta liberdade poética, na obra, alguns mitos sofrem algumas distorções que não passam despercebidas pelos leitores mais atentos. A problemática destas distorções é o conteúdo do próximo texto. E aí, o que acharam? Deixe seu comentário e, se gostou, ajude-nos a divulgar o Arte Zoom, que só rola por aqui no Geração Bocayuva!
Trecho adaptado da monografia "Literatura de consumo no ensino fundamental: formação de consciência ou diletantismo? (Um estudo sobre O Ladrão de Raios, de Rick Riordan)", de Alfrânio Pedroso Soares.